MOVIMENTO SAIA ÀS RUAS
A assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal cria factóides para tentar melhorar a manchada imagem do seu Presidente.
Pouco depois do protesto em frente à sede do Tribunal, a sua página na internet estampava:
'Ministro da Suprema Corte dos EUA diz que Judiciário brasileiro já é reconhecido internacionalmente'.
No dia 22 de maio, quase uma quinzena depois do protesto do Movimento Saia às Ruas em frente à sede do STF, divulgou que boa parte dos habeas corpus deferidos pela Corte seria em favor de pessoas de baixa renda.
Trata-se de uma ofensiva na guerra para mobilizar a imprensa em uma agenda pró-Gilmar Mendes.
Ocorre que o mais alto magistrado dos EUA não conhece a realidade da justiça brasileira e jamais faria uma declaração pública desabonadora a respeito dos delicados temas que põem em suspeita a sua credibilidade.
Perguntas que não querem calar
Quanto aos habeas corpus deferidos às pessoas de baixa renda, tudo leva a crer que se trata de uso indevidos dos números com finalidade de criar um fato na imprensa.
Quantos pobres tiveram seus habeas corpus analisados no plantão?
Quantos pobres tiveram seus habeas corpus deferidos tarde da noite?
Quantos pobres gozam de prisão domiciliar?
A estatística não permite comparar o tempo para julgamento habeas corpus, nem a matéria.
Tratamento desigual entre pobres e ricos
A verdade é que, para julgar o caso dos ricos, as Súmulas são alteradas, ou excepcionadas. As discussões jurídicas são vastas, e a fundamentação minuciosa. As discussões nos processos dos poderosos são: 1) se vai abrir o processo; 2) se vai responder em liberdade depois de condenado; 3) se vai cumprir a pena em casa.
Os processos dos ladrões de galinha se iniciam depois que eles já estão presos. Discute-se: 1) se eles devem continuar presos, mesmo sem qualquer denúncia, depois de vencido o prazo para o Ministério Público formalizar a acusação; 2) se eles devem continuar presos por excesso de prazo no julgamento do processo; 3) se a acusação é tão insignificante que o Judiciário não deveria perder tempo com isso.
A diferença é radical e é o retrato da forma desigual como a Justiça trata ricos e pobres. A notícia na página oficial do Supremo Tribunal Federal mascara essa realidade, com o fim político de apoiar o seu cambaleante Presidente.
A forma de enfrentar esse grave problema é discuti-lo francamente e de público. A assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal, no interesse direto do seu Presidente, prefere esconder essa questão debaixo do tapete.
O Supremo Tribunal Federal não é a causa dessa injustiça, que tem razões profundas. Seus ministros se esforçam para compensar essa desigualdade, e atingir a verdadeira Justiça.
Ao contrário dos demais Ministros, o atual Presidente tem clara parcialidade em favor dos poderosos e contra os movimentos sociais.
O sentido e a simbologia de suas falas e ações, contrárias ao recatamento que exige a Lei da Magistratura, são todos contra a evolução da Justiça, na defesa explícita de uma posição retrógrada, preconceituosa contra os hipossuficientes e generosa com os ricos.
A sociedade não tolera mais essa postura que destrói a credibilidade do Judiciário e pede, como primeiro ponto, o afastamento de Gilmar Mendes.
A seguir, cópia do email recebido por Paulo Henrique Amorim, publicado em sua página, e que demonstra não se cuida de uma análise isolada:
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O Conversa Afiada recebeu o seguinte e-mail de amigo navegante:
Caro Paulo Henrique,
Acabo de me deparar um verdadeiro jogo de espelhos, uma farsa midiática bem nas headlines do site do STF. Na realidade, trata-se de uma tentativa de purificar (ou beatificar) a imagem de seu Presidente, continuamente atrelada a propósitos muito pouco republicanos (mas não foi ele mesmo que idealizou o pacto republicano?).
Ou seja, a notícia, usando como mote “o STF” como um todo, tenta converter é a imagem de Gilmar (autor intelectual da matéria) de advogado de Dantas em um São Francisco de Assis da magistratura. Ele ensaiou esse discurso na sabatina da Folha.
A tática é um amálgama da filosofia de Rubens Ricúpero (“…o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde…”) com o ilusionismo a la Issao Imamura. Sem bem que o ilusionismo, aqui, não chegou a tal sofisticação.
Veja a notícia (encomendada por Gilmar) que está no site do STF:
STF concede 35% dos habeas corpus analisados. Quase 30% em favor de pessoas de baixa renda
Da totalidade de habeas corpus que puderam ser conhecidos (quando o mérito do pedido é analisado) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2008, 34,7% tiveram o pedido concedido. Ao todo, no ano passado, foi analisado o mérito de 1.024 habeas corpus. Desses, 355 foram deferidos. Outros 669 foram indeferidos.
No universo desses habeas corpus concedidos (estatísticas), um dado chama atenção: a quantidade impetrada pela Defensoria Pública e pela própria pessoa que se diz vítima de um constrangimento ilegal, isto é, alguém sem defensor legal constituído. Encaixam-se nessas categorias 27,4% do total de pedidos concedidos, fato que comprova a tese de que o acesso à Justiça para os cidadãos de baixo poder aquisitivo está sendo ampliado.
Fundamento para concessão
A principal causa de concessão dos habeas corpus em 2008 foi a deficiência de fundamentação na decretação da prisão cautelar de alguém que responde a crime perante a Justiça (20,6%), seguida do chamado “cerceamento de defesa”, que ocorre quando algum direito processual do acusado é suprimido (9,6%).
Em terceiro lugar, está a aplicação do princípio da insignificância, quando o potencial ofensivo do ato é levado em conta para descaracterizar o crime (8,8%). O “princípio da insignificância” é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.
Depois desses três motivos, outros que mais resultaram em deferimento de habeas corpus no ano passado foram os seguintes: excesso de prazo da prisão (30), impossibilidade da prisão civil do depositário infiel (27), violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (24), a não concessão do direito de progressão de regime para condenações por crimes hediondos (17) e a extinção da punibilidade, quando desaparece o poder do Estado de punir uma pessoa por determinado crime (13). Um exemplo de extinção da punibilidade é a prescrição do crime.
(Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=108521)
Aos truques:
. Curiosamente, a notícia somente menciona habeas corpus “que puderam ser analisados”, ou seja, que foram avaliados no mérito. Não sou um expert em estatística, mas algo está escandalosamente errado. Perguntemos à assessoria de imprensa de Gilmar, digo, do STF: do universo de habeas que chegam ao STF, quantos buscam tutelar pessoas de baixa renda (dado não fornecido)? Qual o percentual de pessoas de baixa renda, diante do total de habeas não foram analisados (dado não fornecido)? Só fragmento de informação é muito feio…
. Como costuma dizer o Mino Carta, pergunto aos meus atônitos botões: e na parte dos avaliados e indeferidos, qual o percentual de pessoas de baixa renda (dado não fornecido)??? Só fragmento de informação é muito feio, caro Gilmar e assessores…
. A própria notícia do STF, se interpretada num sentido inverso, admite que 70% dos habeas concedidos protegem a liberdade de pessoas da classe média e alta. Isso guarda proporção com a realidade criminal brasileira, Paulo Henrique ??? Indago, uma vez mais: quem representa hoje a parcela amplamente majoritária da “malha penal”? Sim: os de baixa renda. E ainda assim, 70% dos habeas são concedidos a quem…?
. Cabe, ainda, indagar aos comunicadores da Corte Suprema/Gilmar, antes que a beatificação seja concluída: nas suas décadas de história, podem nos ajudar apontando em qual julgamento (informar o número, por gentileza) alguém de baixa renda (pra continuar na expressão usada pelo próprio STF) conseguiu que a Corte o concedesse dois habeas em 48h? Ah, o precedente deve ter, ainda, os seguinte ingredientes: passar por cima de instâncias inferiores (algo que a própria jurisprudência do STF nos casos “normais” rechaça com veemência) e de súmula do próprio Tribunal (nº 691), com direito a pedido de informações pelo telefone?
É inegável, Paulo Henrique, que o STF, hoje, avança na qualidade (fundamento jurídico) das decisões em matéria penal (em detrimento do que já foi). Por outro lado, é de se reconhecer que, por uma falha estrutural, uma desigualdade enraizada no tema do acesso à justiça, há mais dificuldades por parte de desfavorecidos socialmente de ascender à instância máxima. Mas isso não invalida nenhum dos absurdos apontados. Até porque, não tenhamos dúvida: se esses outros dados confirmassem a proposição (STF e Gilmar agem de maneira equânime), todos os dados seriam expostos.
Reconheça-se avanços onde eles existem . Contudo, elaborar um maldoso jogo de ilusionismo, para se pintar uma imagem de Tribunal dos pobres, é duvidar da inteligência da opinião pública.
Sobretudo quando esta matéria não quer promover a imagem do Supremo (o que seria perdoável). Quer, ainda que de forma camuflada, beatificar seu Presidente (quem a encomendou), torná-lo um São Francisco de Toga, ou seja: quer a própria quadratura do círculo, como certa vez disse Michel Villey, filósofo do direito.
Esta notícia do STF, Paulo Henrique, não sei bem por que, me lembra Tom Zé: “Eu tô te explicando é pra te confundir…”
Abraços,
(O autor é: Mestrando em Direito Público; Especialista em Ciências Penais; Professor de Processo Penal - PHA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário