Para ele, presidente do STF se engana ao afirmar que legislação abrange também os acusados de crimes contra direitos humanos, como tortura
O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Defesa dos Direitos Humanos, criticou ontem em São Paulo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Segundo Vannuchi, o presidente da mais alta corte de Justiça do País equivoca-se ao dizer publicamente que a anistia política concedida no final do regime militar teve caráter amplo, geral e irrestrito, abrangendo também acusados de crimes contra os direitos humanos, como a tortura. "Basta ler o texto da lei para ver que não é assim", afirmou Vannuchi.
Ele também voltou a criticar o titular da pasta da Defesa, Nelson Jobim, por sua decisão de criar um grupo de busca aos mortos e desaparecidos no episódio da Guerrilha do Araguaia, nos anos 70. Segundo Vannuchi, seu colega na equipe de governo atropelou a legislação ao deixar fora do grupo a comissão especial criada na década passada para conduzir atividades desse tipo.
"Existe uma lei federal sobre o assunto", disse Vannuchi. "Essa lei, que foi criada, por coincidência, quando Jobim era ministro da Justiça, não pode ser subvertida agora por uma portaria ministerial, assinada pelo próprio Jobim."
As declarações do ministro foram feitas durante o seminário sobre o papel da Justiça no processo de acerto de contas do Estado brasileiro com as vítimas do regime militar, em São Paulo.
Dallari
No mesmo seminário, o jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, também criticou Jobim. Segundo Dallari, o ministro da Defesa foi infeliz quando chamou de revanchistas os pedidos para que os acusados de torturas sejam punidos.
"Quando ele disse que esses fatos devem ser esquecidos, fiquei em dúvida", disse. "Já não sei se o chamo de jurista, advogado ou coronel Nelson Jobim, porque ele repetiu o que os coronéis dizem. É vergonhoso ouvir isso de alguém da área jurídica. Acho que ele deveria refazer seu curso de direito."
Para Dallari, os parentes das vítimas buscam justiça, não retaliações. "O Brasil viveu um período histórico vergonhoso, com agressões à dignidade da pessoa humana. É extremamente importante que não se esqueça isso."
O Poder Judiciário foi duramente criticado durante o encontro. Na opinião do ministro Vannuchi, as autoridades da área ainda não parecem convencidas da justeza das reivindicações dos familiares de mortos e desaparecidos. "O Judiciário empurra a questão", disse.
Esse comportamento, segundo o ministro, ajuda a explicar o fato de poucos parentes das vítimas terem recorrido ao Judiciário em busca de reparações e punições. É uma situação diferente da que se verificou em outros países da América Latina também submetidos a períodos de ditadura militar, como o Chile e a Argentina. Lá, acredita Vannuchi, os cidadãos confiam mais no Judiciário do que no Brasil.
A cientista política Glenda Mezarobba, pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e uma das organizadoras do seminário, também criticou o Judiciário. As autoridades dessa área, segundo a estudiosa, tendem a acompanhar até hoje as interpretações dadas à Lei de Anistia no fim do regime militar. Para ela, limitam-se a repetir o que chamou de "mantra da impunidade", que inclui as palavras revanchismo e a afirmação de que a anistia atingiu todos os envolvidos, incluindo torturadores. (Roldão Arruda - Agência Estado)
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